ENTRE O FÍSICO
E O MÍSTICO
ENTRE O
FÍSICO
E O
MÍSTICO
As terapias integrativas trazem consigo tanto promessas de um cuidado holístico quanto controvérsias significativas. Enquanto propõem tratar corpo, mente e espírito, a falta de evidências científicas robustas gera um dilema entre ceticismo e esperança, desafiando as noções estabelecidas de saúde e o papel dessas práticas no sistema de cuidados de saúde.
Por: Juliana Marquezi
Aplicação de Reiki. Foto: Juliana Marquezi
HOLÍSTICO, DO GREGO "HOLO"
Pode significar completo ou inteiro, é um conceito que valoriza a totalidade das coisas.
Em um mundo onde a medicina convencional enfrenta inúmeros desafios, as terapias integrativas e complementares emergem como uma solução alternativa no meio dos métodos tradicionais; assim como também abrem margem para controvérsias e debates. Essas práticas propõem uma abordagem holística à saúde, prometendo não apenas tratar o corpo, mas também a mente e o espírito. No entanto, essa promessa vem acompanhada de uma série de questionamentos. A falta de evidências científicas para algumas dessas práticas coloca pacientes e profissionais da saúde em entre o ceticismo e a esperança, redefinindo valores sobre o que de fato significa ter saúde e qual o papel das práticas integrativas complementares dentro desse processo, isto é, se existe algum papel a ser cumprido.
O REIKI TRADICIONAL USUI
Luciane acorda cedo, ansiosa para retomar sua prática após um hiato. Desde 2022, ela não ministra aulas presenciais pois tem se dedicado a dar cursos de forma online, então se sente ligeiramente desacostumada. Com o amanhecer, ela já está a postos, arrumando o altar. Escolhe dois vasos de flores, adornando o espaço junto de uma seleção de cristais como quartzo, selenita e ametista, todos elegantemente dispostos sobre uma toalha estampada com o Choku-Rei, o símbolo primordial do reiki, que por acaso também é o nome do filhote de gato que ela acabou de adotar. O aroma de incenso preenche o ar, enquanto ela coloca para tocar uma música chamada "528 Hertz, a frequência da cura" —aperte o play acima para escutar—. No canto, um discreto altar com imagens de orixás e, nas paredes, pinturas em discos de vinil que ela chama de "mandalas esotéricas".
O Reiki Tradicional Usui, para Luciane, se trata da
"arte secreta de convidar a felicidade"
O altar. Foto: Juliana Marquezi
A sintonização. Foto: Juliana Marquezi
Em sua apostila, Luciane diz que crê que no futuro, todos os lares terão um terapeuta para cuidar de
si e dos familiares.
Mais tarde, chegam Esther, Ana e Catarina, que conheceram Luciane através do que elas chamam de "roda terapêutica do sagrado feminino", se interessaram pelo trabalho dela e decidiram então formar uma turma para se iniciarem em Reiki. A turma é pequena, uma característica das sessões de Luciane, que também são marcadas pela presença feminina. Luciane conta que, até hoje, em suas turmas presenciais houve somente um homem. Juntas, comem bolo de fubá e tomam chá de canela, desfrutando de uma leve conversa. Logo depois, sentam-se em almofadas para mergulhar nos estudos do primeiro nível do Curso de Reiki Tradicional Usui, cuidadosamente preparado por Luciane. Com empatia e precisão, ela navega pelas dúvidas, reforçando a importância da experimentação e do aprendizado no processo. Conforme o incenso queima, Luciane mantém a atmosfera acolhedora, acendendo mais sempre que necessário. Após a fase de leitura, Luciane inicia o momento de sintonização, um passo crucial no qual as alunas se conectam à energia Reiki.
A sintonização é o momento onde as alunas são conectadas à energia Reiki, nela, ocorre em um processo meditativo orientado por Luciane, que incentiva as mulheres a focarem em suas intenções. Ela desenha símbolos referentes ao primeiro nível da formação no ar, tocando cabeças, mãos e costas, marcando a iniciação das alunas na energia Reiki. A prática se desenrola em duplas, com orientações claras de Luciane. Ela enfatiza a importância de seguir a intuição, além das instruções da apostila, especialmente sobre o tempo dedicado a cada chakra. As experiências compartilhadas no final revelam sensações de energia, leveza e relaxamento profundo. Ao final, Luciane entrega os certificados, certificando-as como reikianas de nível I, que foi o módulo estudado naquele dia. Elas se despedem, levando consigo a certeza de uma transformação profunda. Sozinha, Luciane faz uma prece para agradecer, marcando o fim de mais um ciclo de ensinamentos.
A prática. Foto: Juliana Marquezi
A todo momento, a mestra incentiva que as alunas
sigam sua própria intuição.
O fim. Foto: Juliana Marquezi
Luciane afirma que os princípios do Reiki são capazes
de transformar quem os pratica.
MTCI: MEDICINAS COMPLEMENTARES, TRADICIONAIS E INTEGRATIVAS
A definição de saúde e as terapias complementares no processo saúde-doença
Apesar das experiências esotéricas e holísticas vivenciadas como a citada acima, é essencial entender como elas se alinham aos conceitos mais amplos de saúde, promovendo uma discussão sobre o papel dessas terapias no panorama da saúde pública.
Em 1947, a Organização Mundial da Saúde (OMS) introduziu uma definição revolucionária de saúde, descrevendo-a como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade". Esta concepção pioneira lançou as bases para uma abordagem multidisciplinar da saúde, reconhecendo-a como um fenômeno complexo, influenciado por uma ampla gama de fatores que transcendem a simples gestão de doenças.
A OMS emprega o termo "processo saúde-doença" para caracterizar o espectro de estados pelos quais indivíduos e populações transitam. Esta nomenclatura reflete a compreensão de que saúde e doença são pontos extremos de um continuum, influenciados por determinantes comuns e interconectados.
Os Determinantes Sociais da Saúde no Brasil exploram os aspectos não médicos que impactam o bem-estar das pessoas, incluindo variáveis sociais, econômicas, ambientais e culturais. Fatores como o acesso a serviços de saúde, educação, renda e habitação não apenas influenciam a saúde individual e coletiva, mas também evidenciam as desigualdades existentes. O reconhecimento e estudo desses determinantes são essenciais para a formulação de políticas públicas mais inclusivas e efetivas, promovendo uma abordagem holística que considera o indivíduo em seu contexto social e ambiental.
Mariana de Marchi, enfermeira, observa como fatores prenatais, como a rejeição materna durante a gestação, podem ter repercussões duradouras na saúde do indivíduo, potencialmente desencadeando patologias, mesmo que o sentimento inicial de rejeição não persista.
Em resposta a esses desafios, a OMS advoga pelo modelo das Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCIs) como uma abordagem vital para a prevenção de doenças. Este modelo valoriza a pessoa como um todo, integrando aspectos físicos, mentais e sociais na busca por saúde e bem-estar, e ampliando a perspectiva sobre o processo saúde-doença para incluir fatores socioculturais e o desenvolvimento do autoconhecimento.
Graduada pela Faculdade de Medicina de Rio Preto (FAMERP), Mariana explica que o processo saúde-doença é composto por diversos fatores sobrepostos, e que o que determina a saúde ou a ausência dela pode ser entendido de diferentes formas.
Em sua experiência, Mariana entende que doenças físicas e mentais podem ser geradas por experiências negativas durante a vida do paciente.
Fotos: Freepik
MEDICINA
TRADICIONAL
Refere-se ao conceito da medicina que conhecemos, o conjunto de práticas que unem conhecimentos e capacidades baseadas em estudos, teorias, evidências de diferentes contextos culturais que são explicados pelo modelo científico atual para tratar, prevenir e melhorar doenças físicas e mentais.
MEDICINA
COMPLEMENTAR
O termo "medicina complementar" refere-se a tudo aquilo que não faz parte do sistema tradicional de um determinado país e não são totalmente integrados ao sistema de saúde vigente.
MEDICINA
INTEGRATIVA
Os cuidados integrativos fazem referência a uma abordagem em que são utilizados conceitos da medicina complementar e da medicina tradicionalde forma coordenada. Visam a observação de aspectos emocionais, funcionais, espirituais e comunitários, integrando o ser humano e observando o indivíduo como um todo, de forma holística, completa.
No Brasil, em 2006, o Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares com o propósito de prevenir agravos e promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção primária para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde. As terapias complementares são um recurso da Secretaria de Atenção Primária à Saúde que buscam a prevenção de doenças e recuperação da saúde com ênfase na escuta acolhedora, o desenvolvimento de vínculo terapêutico e a integração do ser humano no meio em que vive. Em entrevista transmitida no Youtube da ONU News, o especialista Ricardo Ghelman, médico brasileiro que faz parte da Cúpula Global de Medicina Tradicional, afirma que essas práticas terapêuticas fazem parte de um sistema dividido em três categorias: O sistema médico, que faz referência a medicina chinesa e ao sistema ayurvédico, da Índia, e ao da medicina antroposófica, que faz parte de um modelo europeu. A segunda faz referência ao uso de produtos naturais que são regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como plantas medicinais, o uso de apiterapia, etc. A terceira se refere ao uso das terapias não medicamentosas (homeopáticas), que nos Estados Unidos têm sido chamadas de terapias mente e corpo.
Ainda em 2006, a oferta envolvia a homeopatia, da acupuntura, de plantas medicinais e fitoterapia, além de medicina antroposófica e termalismo social. Nos anos de 2017 e 2018, foram adicionadas novas práticas terapêuticas, totalizando em 29 práticas integrativas complementares que estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
A Secretaria de Atenção Primária ou Atenção Básica à saúde é o primeiro nível de atenção do do SUS, de acordo com o próprio Ministério da Saúde. Esta secretaria é o centro articulador de acesso dos usuários do SUS, o que significa que é capaz de organizar os fluxos de serviço nas redes de saúde, dos mais simples aos mais complexos, orientada pelos princípios da acessibilidade, coordenação do cuidado, vínculo, continuidade e integralidade além de englobar um conjunto de ações e iniciativas essenciais em saúde, como por exemplo o Programa Saúde na Hora, e o Mais Médicos.
Durante seus dois anos de experiência na Atenção Básica, Mariana enfatiza a importância desse nível de cuidado, no qual são realizadas triagens cruciais dentro das Unidades Básicas de Saúde (UBS) para determinar as necessidades dos pacientes que procuram atendimento emergencial. Após a triagem, ocorre o encaminhamento apropriado. Ela esclarece que, inicialmente, os pacientes são atendidos pela equipe de enfermagem, que avalia se é necessário consultar um especialista.
Mariana explica quais são os procedimentos mais comuns para um cidadão ter acesso a qualquer prática integrativa, onde o paciente pode optar pelo atendimento, ser encaminhado ou ser orientado por um agente de saúde.
Também menciona sobre a aplicação de Lian Gong, uma prática da mecidina chinesa com diversos módulos de exercícios. Além dos benefícios físicos, ela também ressalta sobre a socialização que práticas como essas podem promover.
Para Mariana, as terapias integrativas trazem benefícios em diversas situações, como dentro de centros cirúrgicos, principalmente os pediátricos. A musicoterapia, por exemplo, desempenha um papel importante na humanização da situação das crianças internadas. Ela afirma que, na prática, certas Práticas Integrativas Complementares (Pics) agem ativamente na recuperação dos pacientes e refletem tanto no físico como no emocional. Como no caso de um paciente paliativo, que não tem mais chances de cura, caso ele opte por um tratamento com terapias integrativas e acredita que esse tratamento o fará bem, chega a ser uma questão humanitária aceitar o desejo daquele paciente.
A enfermeira Mariana enfatiza a importância da escuta ativa no contexto de atendimentos mais humanizados. Ela descreve a escuta ativa não apenas como uma técnica, mas como uma intervenção crucial realizada por enfermeiros e médicos. Esta prática envolve uma atenção plena aos sinais verbais e não verbais emitidos pelos pacientes, permitindo uma comunicação mais eficiente e um entendimento mais profundo das suas experiências pessoais, estados emocionais e eventuais fatores externos que podem influenciar seu bem-estar e saúde. Mariana destaca que a escuta ativa fortalece a conexão entre médico e paciente, transformando a interação em uma experiência de empatia, compreensão e acolhimento genuínos. Segundo ela, a falta dessa abordagem nas práticas médicas contemporâneas muitas vezes resulta da sobrecarga de trabalho e da deterioração de certas estruturas dentro do sistema público de saúde. Ao trazer à luz essa questão, Mariana salienta a necessidade urgente de reavaliar e incorporar a escuta ativa como pilar central na prestação de cuidados de saúde, visando um atendimento mais compassivo e eficaz.
As terapias podem ser acessadas de forma gratuita nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) em qualquer lugar do Brasil, assim como tratamentos de psicologia, enfermagem, acolhimento, entre outros. Para os cidadãos que desejam passar por um atendimento, basta realizar o acompanhamento na Atenção Básica e ter a carteirinha do SUS.
AS 29 PRÁTICAS
De acordo com o site do Ministério da Saúde, estes são chamados de Recursos Terapêuticos em PICS, e são os nomes e especificações sobre cada terapia complementar oferecida pela rede de saúde pública no Brasil.
ACUPUNTURA
Técnica da Medicina Tradicional Chinesa que utiliza agulhas nos meridianos do corpo para promover saúde e prevenir doenças.
APITERAPIA
Uso de produtos derivados de abelhas, incluindo as toxinas para fins terapêuticos e promoção de saúde.
AROMATERAPIA
Os óleos essenciais são utilizados para reequilibrar a harmonia do organismo, promovendo saúde física e mental.
ARTETERAPIA
Utiliza recursos artísticos para criar uma conexão entre consciente e inconsciente, facilitando a comunicação com o paciente.
AYURVEDA
Prática indiana ancestral de técnicas naturais e personalizadas, como massagens e cuidados dietéticos.
BIODANÇA
Técnica corporal que envolve dança em grupo e exercícios organizados para trabalhar equilíbrio, coordenação e interação social.
BIOENERGÉTICA
Terapia que usa exercícios em grupo e respiração para liberar tensões e expressar sentimentos.
CONSTELAÇÃO FAMILIAR
Prática que busca recursos para reconhecer a origem dos problemas trazidos pelo indivíduo.
CROMOTERAPIA
Usa cores para equilibrar o corpo: quentes (estimulantes) e frias (calmantes). Violeta para corpos sutis.
DANÇA
CIRCULAR
Dança de roda em grupo. Promove integração e bem-estar, inspirada em culturas tradicionais e ressignificada para honrar as diversidades.
GEOTERAPIA
Usa elementos naturais para equilibrar energias e tratar desequilíbrios físicos e emocionais, impulsionada pela energia solar.
HIPNOTERAPIA
Técnica de relaxamento que trata várias condições, promovendo autoconhecimento. É usada junto com outras terapias.
HOMEOPATIA
Trata sintomas com ultra diluição de medicamentos, estimulando o sistema de cura natural do corpo.
IMPOSIÇÃO
DE MÃOS
Terapia que usa a transferência de energia pelas mãos para reequilibrar a energia humana e promover saúde.
MEDICINA ANTROPOSÓFICA
Baseada em antroposofia combina medicina moderna e conceitos específicos para promover bem-estar holístico.
MEDITAÇÃO
Melhora a concentração, e promove bem-estar cognitivo e emocional. Ajuda no autoconhecimento e nas interações sociais saudáveis.
MUSICOTERAPIA
Utiliza a música e instrumentos musicais para promover e facilitar a comunicação, entre outros objetivos terapêuticos.
NATUROPATIA
Adota uma visão ampliada e multidimensional do processo saúde-doença, propondo soluções naturais para o tratamento de doenças.
OSTEOPATIA
Utiliza técnicas manuais para tratar disfunções articulares e promover mobilidade visceral.
OZONIOTERAPIA
Usa ozônio medicinal para tratar diversas doenças, comumente adotada em odontologia, neurologia e oncologia.
PLANTAS MEDICINAIS (FITOTERAPIA)
Usa plantas medicinais para tratamento, visando saúde com atenção a interações e efeitos adversos.
QUIROPRAXIA
Tratamento manual de disfunções neuromusculoesqueléticas para alívio da dor.
REFLEXOTERAPIA
Estimula áreas reflexas nos pés, mãos e orelhas para alívio da dor, eliminação de toxinas e relaxamento.
REIKI
Utiliza a imposição das mãos para canalizar energia vital, promovendo equilíbrio físico e mental, realinhando os chakras.
SHANTALA
Massagem para bebês e crianças pelos pais promove vínculo, saúde e desenvolvimento motor, fortalecendo laços afetivos.
TERAPIA
COMUNITÁRIA
INTEGRATIVA
Promove solidariedade e saúde ao reunir pessoas para compartilhar experiências, construir laços sociais e mobilizar recursos.
TERAPIA DE
FLORAIS
Terapia floral usa essências de flores para tratar estados mentais e emocionais, com destaque para os florais de Bach.
TERMALISMO SOCIAL
(CRENOTERAPIA)
Usa água com propriedades físicas e químicas para tratamentos de saúde, variando conforme sua composição e aplicação.
YOGA
Utiliza técnicas como hatha-yoga e mantra-yoga, visando benefícios como redução do estresse e melhoria do sono e da vitalidade.
Estas e outras definições de práticas terapêuticas podem ser encontradas no Glossário Temático de Práticas Integrativas, disponibilizado pelo Ministério da Saúde. O próprio ministério reforça que é fundamental que o uso dessas práticas seja realizado de forma responsável e segura, com o devido acompanhamento e recomendação de profissionais de saúde qualificados.
O Ministério da Saúde afirma que as terapias integrativas são uma ferramenta importante para processos de cuidado de modo geral, e garantir que a população tenha acesso a essas práticas que visam o bem-estar é uma estratégia fundamental para constituir uma população mais consciente e que preza pelo autocuidado. Ao reconhecer o valor dessas práticas, não apenas amplia o leque de opções disponíveis para a população, mas também promove uma visão de saúde que transcende a ausência de doença, enfatizando o equilíbrio entre corpo, mente e ambiente.
TERAPEUTAS INTEGRATIVOS
O uso das terapias integrativas dentro e fora de hospitais e sua popularidade
Um terapeuta integrativo é aquele responsável por realizar aplicações e tratamentos de terapias integrativas. Guiados pela filosofia que a Associação Brasileira de Terapias Integrativas e Naturistas define com clareza, esses terapeutas não se limitam ao físico; sua jornada é navegar pelo complexo tripé que forma a essência humana: corpo, mente e espírito. Esta última dimensão, muitas vezes intangível, refere-se à esfera subjetiva ou, se quisermos, à dimensão espiritualista do ser.
Para tornar-se um terapeuta integrativo, os profissionais dessa área passam por graduações de nível técnico com duração de um ano e meio a dois anos dependendo da instituição, ou realizam cursos na área com outros profissionais que possuem experiência para ministrar e repassar tais conhecimentos.
A profissão de terapeuta integrativo, embora seja reconhecida pelo ministério do trabalho, não é uma profissão regulamentada, isto é, não possui sindicado ou órgão regulamentador. Os terapeutas podem se filiar a associações como a Sociedade Internacional de Terapia ou a Associação Brasileira de Terapeutas Holísticos (Abrath) de forma voluntária. Em 2011 foi elaborado o Projeto de Lei 1297/11, do deputado Giovani Cherini (PDT-RS), que seria uma ferramenta para a regulamentação da profissão de terapeuta holístico/integrativo. De acordo com a lei, só poderia exercer a profissão aqueles que tivessem treinamento mínimo de 180 horas, ministrado por escola autorizada e reconhecida pelos órgãos competentes, além de serem devidamente registrados. Também instituiria um programa de serviços hospitalares relacionados a terapias integrativas em hospitais públicos e privados. A lei seria uma forma de evitar que profissionais despreparados colocassem em risco a vida de pacientes. Este projeto foi arquivado no ano de 2013, e até então não foi reaberto.
Em fevereiro de 2024, o Conselho Federal de Enfermagem anunciou uma importante resolução que regulamenta o emprego das Pics para enfermeiros no Brasil. Este documento normativo delineia diretrizes, padrões e procedimentos específicos para assegurar que apenas enfermeiros devidamente qualificados estejam habilitados a oferecer terapias integrativas, tanto em ambientes hospitalares quanto em outros contextos de saúde. A resolução destaca que modalidades como Ayurveda, Acupuntura, Biodança, Antroposofia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Fitoterapia, Termalismo/Crenoterapia, Ozonioterapia e Yoga devem ser reconhecidas como especializações ou pós-graduações para enfermeiros. Enquanto isso, outras práticas poderão ser consideradas capacitações adicionais, adquiridas por meio de cursos livres. Dentre as atribuições definidas para os enfermeiros nesse contexto, incluem-se a realização de cuidados de saúde de alta complexidade, a indicação, prescrição e implementação das PICS em todos os níveis de atenção à saúde, abrangendo tanto o setor público quanto o privado. Além disso, a resolução estabelece que esses profissionais deverão desenvolver e aplicar protocolos específicos para o atendimento das práticas integrativas nos serviços de saúde, garantindo uma assistência segura e eficaz.
Luciane Borges, a terapeuta integrativa e mestra em Reiki mencionada no começo dessa reportagem, tem formação em diversas outras áreas da chamada medicina holística. Reiki Tradicional Usui, sua especialidade, é uma das Pics mais populares do SUS. Consiste na transferência da energia vital (ki) para a pessoa que está sendo tratada por meio da imposição das mãos. Essa energia vital tem o potencial de, supostamente, melhorar a saúde do paciente, promovendo bem-estar e melhorando o equilíbrio energético através da regulação dos chakras. Luciane explica um pouco a respeito do funcionamento dos chakras e pontua como eles podem colaborar para o processo saúde-doença.
Luciane trabalha com Reiki há 5 anos, realizando aplicações de forma particular e trabalhos vonluntários com o uso de Reiki. Além do Reiki Tradicional, também tem especialização em Reiki Solar.
No vídeo, ela explica detalhes a respeito do funcionamento dos chakras, neste caso, os sete principais mencionados por ela correspondem ao básico, umbilical, plexo solar, laríngeo, frontal e coronário. Estes normalmente são os pontos de força que são mais equilibrados através do uso de reiki para promoção de bem-estar. Luciane explica que isso acontece pela questão de que cada um destes pontos correspondem a uma glândula do corpo.
LUCIANE BORGES
CHAKRAS, SUAS CORES E
GLÂNDULAS CORRESPONDENTES
Coronário, roxo, glândula pineal
Frontal, violeta, glândula hipófise
Laríngeo, azul, glândulas referentes a tireóide
Cardíaco, verde, glândula timo
Plexo solar, amarelo, pâncreas
Sexual, laranja, órgãos sexuais
Básico, vermelho, suprarrenais
Luciane trabalhando no chakra coronário de aluna. Foto: Juliana Marquezi.
"Foi um divisor de águas na minha vida!"
Maria Eduarda Navarro, de 22 anos conta que a terapia complementar transformou completamente o seu olhar acerca de si mesma e da sua própria espiritualidade. Ela afirma que o reiki foi essencial para a melhora do seu psicológico em sua rotina.
DEPOIMENTO
Luciane afirma que qualquer pessoa pode se tornar reikiano, já que a prática se trata da manipulação de uma energia universal, que pode ser repassada de pessoa para pessoa, o reikiano, ou aplicador de reiki, é apenas um canal por onde essa energia flui.
Para se tornar um praticante de Reiki, como descrito no início dessa reportagem o processo de formação ocorre em diferentes níveis. No primeiro nível, aquele que foi mencionado no curso relatado no início da reportagem, é chamado de "Shoden", são ensinados os fundamentos básicos do Reiki, incluindo a história e os princípios da prática, além de técnicas para aplicar Reiki em si mesmo e em outras pessoas. No segundo nível, conhecido como "Okuden", são aprofundados os conhecimentos e aprendidos símbolos específicos de Reiki que podem ser usados para enviar energia à distância e tratar questões emocionais e mentais. No terceiro nível, chamado de "Shinpiden", é recebida a sintonização mestra, permitindo o acesso a uma energia mais elevada e a capacidade de iniciar outros no caminho do Reiki. Este nível é uma jornada de autodescoberta e crescimento espiritual, onde são aprendidas técnicas avançadas de cura e aprimorada a conexão com a energia universal. Ao atingir o nível mestre, torna-se capaz de guiar outros no caminho do Reiki.
Luciane afirma que não há necessidade de chegar ao mestrado para ser um reikiano. Ao final de cada nível, ocorre a chamada sintonização, que se trata de é um processo no qual um mestre de Reiki ajuda o aluno a abrir e harmonizar seus canais de energia, permitindo que eles se conectem à energia universal do Reiki. É como ajustar uma estação de rádio para sintonizar a frequência correta. A sintonização é uma parte importante da formação em Reiki, pois capacita o aluno a acessar e canalizar a energia
Na opinião de Luciane, o Reiki, assim como outras práticas disponíveis no SUS, são parte de um importante processo de compreender o cuidado de pacientes como um processo que abrange outras questões que vão além de tratamento físico, proporcionando mais autoconhecimento e capacidade de autocuidado.
O uso do Reiki já é integrado dentro de alguns dos maiores hospitais do Brasil, como no Hospital Israelita Albert Einstein, que desde 2008 tem incluso na área de oncologia os tratamentos com medicinas integrativas que envolvem Reiki, meditação, Yoga, acupuntura e terapia de florais. Atualmente, o hospital também oferece cursos de pós graduação relacionados a medicina integrativa, com o intuito de reforçar os estudos científicos sobre cuidados integrativos e bem-estar, e a utilização de técnicas integrativas para reafirmar a importância da relação entre médico e paciente.
O Hospital Sírio-Libanês também tem a disposição dos pacientes um Núcleo de Cuidados Integrativos. Este Núcleo é uma iniciativa do hospital para contribuir com a humanização dos tratamentos oferecidos dentro da instituição. Também abrange cuidados para acompanhantes e profissionais da saúde. O coordenador do Núcleo, Plinio Cutait, explicou em entrevista que este ambulatório é composto por profissionais da saúde que também atuam na área integrativa. Para Plinio, estes cuidados podem contribuir não apenas com o tratamento da doença, mas também cuidados com a mente, relações sociais, relações familiares, entre outras. Plinio também explica que estes profissionais atendem no Núcleo de Medicina Avançada, nos quartos dos pacientes, em consultórios com horários marcados, nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIS), nas alas de quimioterapia, em praticamente todas as áreas do hospital. O Sírio-Libanês também dispõe de cursos técnicos, especializações e pós-graduações nas áreas de medicina integrativa.
"Não sei dizer exatamente o que funcionou, mas funcionou"
DEPOIMENTO
Lucas Domingos, de 24 anos, conta sobre sua experiência com o uso da homeopatia e do Reiki. Relata que a homeopatia o ajudou a curar problemas de pele, enquanto o Reiki foi um apoio na questão de de trazer mais bem-estar e aliviar a ansiedade.
LUCIANE BORGES
Luciane apresenta sua visão a respeito da integração de terapias holísticas na medicina, considerando onde as duas coisas são complementares e como as Pics colaboram para o acolhimento e tratamento de um paciente, podendo interferir até mesmo anteriormente ao processo de surgimento da doença, colaborando para o andamento da medicina tradicional.
Para ela, a terapia integrativa é parte de um processo que tem como objetivo final a melhora integral dos pacientes, pois faz com que a pessoa tenha uma compreensão melhor acerca do processo da doença, sobre o início, na fase mental e espiritual. Acredita que as terapias integrativas fazem parte de um processo importante para "chegar direto ao ponto" no que diz respeito a cura de doenças.
Assim como Luciane, outros terapeutas integrativos compartilham de uma opinião semelhante a respeito de como as Pics podem colaborar no tratamento de doenças. Lilian Cruz é professora de Hatha Yoga e terapeuta holística, com especialização em medicina ayurvédica. Lilian ministra cursos de formação e especialização para professores de Yoga há mais de 20 anos na cidade de São José do Rio Preto. Assim como o Reiki, o Yoga é uma prática muito popular entre os praticantes de terapias integrativas. Originario da Índia, o Yoga acumula milênios de tradição. A prática de Yoga envolve asanas (posturas) e pranayamas (técnicas de respiração). Existem muitas variações e estilos de Yoga, mas todos eles partem do mesmo princípio de que a busca pelo equilíbrio entre mente, corpo e espírito é fundamentais para alcançar um estado de bem-estar e harmonia plena.
Para Lilian, o Yoga transcende a mera noção de prática integrativa. Ele é visto como uma ferramenta abrangente e sofisticada que, apesar de ser reconhecido no SUS como uma prática complementar, constitui um método holístico que engloba uma ampla gama de saberes e tradições milenares. O Yoga aborda aspectos mentais, físicos, espirituais e emocionais, se estabelecendo como um valioso recurso para a autogestão e o equilíbrio integral do ser.
Lilian Cruz em variação da Postura do guerreiro. Foto: Juliana Marquezi
"'Yoga Chitta Vritti Nirodah', uma frase de Patanjali que explica que o Yoga foi feito para acalmar as flutuações da mente. Em essência, o Yoga foi projetado para ensinar a lidar com os processos da mente, e a entender o ser humano em todas as suas camadas."
Lilian considera que doenças ocorrem por fatores relacionados ao passado, velhice, doença, dentre uma série de questões emocionais que antecedem a doença a chegar no corpo físico, que, segundo ela, seria a última camada. Ela considera que dentro do processo saúde-doença, o Yoga é uma ferramenta projetada para trabalhar com a mente do ser humano, que por mais que exista o aspecto corporal em que ele vai arrumar a postura, alongar o corpo e manter as funções fisiológicas funcionando normalmente, em essência, o Yoga é um trabalho contínuo da mente.
Lilian explica que dentro dos hospitais, o Yoga Funcional pode ser integrado aos planos de tratamento dos pacientes de várias maneiras, contribuindo para a recuperação física, a gestão da dor, a redução do estresse e a melhoria do bem-estar mental. Este método representa uma abordagem moderna e adaptativa, combinando os ensinamentos tradicionais com conhecimentos contemporâneos de anatomia, fisiologia e biomecânica. Essa fusão cria uma prática que não só preserva a essência espiritual e filosófica do Yoga, mas também a torna mais acessível, eficaz e relevante para as necessidades e desafios do dia a dia.
Diferentemente do yoga tradicional, que pode seguir sequências rígidas e posturas que não se adequam a todos os corpos ou níveis de habilidade, o Yoga Funcional enfatiza a personalização e a adaptabilidade. Reconhece que cada corpo é único e que a prática deve ser ajustada para atender às necessidades individuais. Assim, a prática se torna verdadeiramente projetada para ser funcional.
Especialista em Hatha Yoga, também tem formação e experiencia em outros estilos de Yoga como Yoga Nidra, Tantra Yoga, Vinyasa Flow, Kundalini Yoga, Krya Yoga entre outros. Ainda é facilitadora de atividades que envolvem música, dança, ayurveda. É graduada em atividades de formação holística pela UNIPAZ (Campinas).
No vídeo, Lilian detalha seu envolvimento com o Yoga Funcional, destacando a forma como essa prática pode impactar significativamente a vida dos praticantes a longo prazo.
A meditação também é uma prática comumente utilizada para promover o bem-estar que já é utilizada em hospitais como uma estratégia de relaxamento e saúde mental. No Brasil, o já mencionado Hospital Israelita Albert Einstein, é um exemplo, oferecendo programas de mindfulness e meditação para pacientes e funcionários, visando reduzir o estresse e promover o bem-estar. Nos Estados Unidos, o Johns Hopkins Hospital em Baltimore, Maryland, e o Mayo Clinic, com sedes em Minnesota, Arizona e Flórida, são instituições de renome que integram a meditação como parte de seus serviços.
Lilian explica que a meditação, na maioria das vezes, está diretamente relacionada com o Yoga. Ela afirma que o Yoga de Patanjali, método mais difundido dentro do ocidente, se trata de uma prática de oito passos, que consistem em princípios éticos e filosóficos e também a parte corporal do Yoga. A meditação seria um desses passos, chamado de Dhyana, e envolve a prática de parar o fluxo de pensamentos, pois é o resultado espontâneo da concentração.
Na percepção de Lilian, a meditação é um processo que também envolve questões corporais além de físicas e mentais, e explica o porquê da meditação ser mais palpável do que qualquer outra prática que envolva questões corporais dentro de um hospital.
Além disso, também menciona sobre algumas particularidades do yoga nidra, que mescla aspectos de meditação para a etapa de visualização. No yoga, este momento é chamado de sankalpa, e se trata de uma etapa do relaxamento para fazer propósitos e entregas dentro do inconsciente, "semeando intenções em um terreno fértil", como descrito por Lilian.
Junto às suas aulas de Yoga, Lilian Cruz enriquece sua oferta com práticas meditativas denominadas "vivências", que se caracterizam pelo uso intencional de músicas, mantras e meditações. Essas sessões enraizadas na musicoterapia e na psicoacústica, visam principalmente à entoação de mantras auspiciosos, que são elementos tradicionais do Yoga e têm um papel significativo na promoção do bem-estar e da conexão espiritual.
No vídeo, Lilian conduz seus alunos na prática do mantra OM, o mais popular no Yoga, que para os praticantes representa o som universal, o primeiro som do universo. Este mantra representa uma ferramenta calmante e curativa, e seria a origem de todos os outros mantras que existem no universo.
O mantra está sendo entoado junto com o toque de dois tipos de gongo, onde Lilian menciona se tratar de uma prática chamada de banho de gongo, ou gongoterapia. Este método consiste no toque do gongo, instrumento que ajudaria a alinhar as frequências do corpo, liberando bloqueios e reduzindo tensões.
No que Lilian chama de "Yoga fora do tapetinho", ela relata sobre ocasiões em que foi convidada para realizar práticas de Yoga dentro de hospitais. No Hospital Beneficência Portuguesa, em São José do Rio Preto, foi convidada para ministrar uma prática de Yoga para toda a equipe de enfermagem. Ela realizou uma aula com métodos simples, usando ferramentas que foram disponibilizadas pelo próprio hospital.
No dia, Lilian conta que os profissionais preocupavam-se mais com executar as posturas corretamente do que com a prática em si. A professora precisou pausar e explicar que a prática consistia sim, no alinhamento postural, mas que a respiração e a concentração eram processos essenciais para que a prática surtisse em bons resultados. Como dito por Lilian, não seria apenas em uma aula que os profissionais se tornariam praticantes assíduos, mas iniciativas como essa podem transformar suas rotinas de trabalho. Ao final da aula, Lilian conta que alguns membros da equipe já falavam sobre começar uma prática regular e perguntavam a ela quais eram os primeiros passos para começar as aulas semanais.
Equipe de enfermeiros do Hospital Beneficência Portuguesa em Prática de Yoga funcional com cadeiras Foto: Lilian Cruz
Yoga funcional em cadeiras foi uma das técnicas que Lilian utilizou para executar a aula no hospital. Neste método, as posturas que normalmente são feitas em pé são adaptadas para serem feitas na cadeira, favorecendo o alongamento e sendo muito utilizada com alunos iniciantes ou idosos. Essa técnica otimizou a prática e serviu para diminuir a insegurança dos praticantes, que se sentiram mais confiantes com o apoio da cadeira.
Além dessa técnica, também aplicou o uso de posturas simples e de fácil execução que visam melhorar o alongamento e flexibilidade, além de técnicas de respiração que servem para aliviar o estresse.
Lilian expande seu relato ao mencionar outro momento marcante de sua carreira, quando atuou no Hospital Do Olho de São José do Rio Preto, preparando pacientes para cirurgias de catarata através de técnicas especializadas de Yoga e relaxamento. Ela destaca que essa abordagem não só servia para aliviar o estresse e a ansiedade dos pacientes antes do procedimento, mas também contribuiu para uma recuperação mais rápida e eficiente.
Lilian destaca que o Yoga é aplicável em inúmeras ocasiões, e que sempre será voltado para o bem-estar. Ela considera que o Yoga também é sobre enfrentar medos e desafios, tanto nas práticas como nos momentos de relaxamento.
Em mais um exemplo e relato de experiência com o uso de práticas integrativas em hospitais, existe um grupo de voluntários denominado AVCC - Associação Voluntária de Combate ao Câncer, que reúne pessoas de São José do Rio Preto e cidades adjascentes para ir até o Hospital de Amor, em Barretos, que se trata de um hospital especializado no tratamento de câncer de diversas patologias, para oferecer tratamentos de Reiki e outras terapias integrativas. A instituição considera que a assistência personalizada e de qualidade para os usuários do SUS precisa considerar diversos contextos e dimensões, como sociais, psicológicas e inclusive, as espirituais.
Cássia Jaqueline já realizou durante dois anos este trabalho voluntário, e diz ter observado diversos efeitos positivos nos pacientes que estão sendo tratados, como efeitos positivos no bem-estar do paciente, melhorando o fluxo dos pensamentos e amenizando os efeitos que eram gerados pela quimioterapia.
"Iniciamos o atendimento no ambulatório de câncer de mama, as pacientes que estavam em acompanhamento eram encaminhadas pela psicóloga."
Cássia menciona que o trabalho voluntário se estendeu do ambulatório de câncer de mama para outras patologias, pois os médicos viam que as mulheres tratadas vinham passando por um processo de melhora, principalmente emocional durante um período delicado como é o tratamento de câncer de mama.
No período em que realizou este voluntariado no hospital, ele menciona que estavam sendo realizados estudos acerca dos efeitos do uso de reiki em tratamentos oncológicos e paliativos. Os estudos foram interrompidos em decorrência da pandemia, e Cássia não possui mais contato com os pesquisadores.
Cássia em seu período de voluntariado, com o uniforme e cartão da AVCC. Foto: Cássia Jaqueline.
Os atendimentos eram realizados semanalmente. Durante o Janeiro Branco — mês dedicado à prevenção da saúde mental — e na Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho, os voluntários da AVCC ofereciam atendimentos específicos aos profissionais da saúde. Cássia, uma voluntária, observou uma transformação notável nos pacientes que recebiam Reiki: eles chegavam de uma maneira e saíam transformados, aproveitando também esse momento para compartilhar suas vivências. Ela menciona a procura constante dos profissionais da saúde por atendimentos entre as sessões, e destaca a troca de experiências enriquecedora entre os voluntários. Segundo ela, após as sessões, tanto pacientes quanto profissionais reportavam uma sensação de plenitude e bem-estar.
Além do âmbito da saúde, as Práticas Integrativas e Complementares (Pics) têm sido aplicadas em outros contextos. Por exemplo, em São José do Rio Preto, o Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP) organiza anualmente o evento "Pop Rua Jud". Este evento visa oferecer à população vulnerável acesso a psicólogos, atendimento médico, alimentos, roupas e terapias integrativas. Em 2023, o evento atendeu aproximadamente mil pessoas.
POPULARIDADE E CRESCIMENTO
Dentre as 29 práticas integrativas que estão á disposição da população, existem as que são mais populares e difudidas, como Yoga, Reiki, Meditação, Acupuntura, Fitoterapia e Homeopatia.
No ano de 2021, a Fiocruz divulgou uma pesquisa que revelou que no ano de 2020, o primeiro da pandemia, mais de 60% da população brasileira realizou o uso de alguma terapia complementar sobretudo no momento em que os hospitais estiveram fechados.
Fonte: Fiocruz. Créditos: Autora
Em uma atualização recente, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo compartilhou informações detalhadas sobre o uso das Pics em 2023, indicando que 740,698 habitantes da capital paulista recorreram a terapias complementares. Dentre essas, a acupuntura e a auriculoterapia, ambas derivadas da medicina tradicional chinesa, destacaram-se por sua popularidade. Esses números marcam um crescimento de 55,33% em comparação a 2022, quando foram registrados 478,868 casos, e representam um aumento ainda mais expressivo em relação a 2021, com 207,121 registros.
Adicionalmente, a prefeitura revelou que, nos últimos cinco anos, foram realizados mais de um milhão de atendimentos empregando as PICs, especialmente aquelas que incorporam práticas corporais e elementos das medicinas orientais, como yoga, meditação e acupuntura. Iniciativas para fomentar o desenvolvimento e a discussão sobre as Pics também foram implementadas, como o 22º Encontro Nacional de Práticas Integrativas Complementares no ano anterior, promovido pela Secretaria Municipal de Saúde com o objetivo de estimular o debate sobre a saúde integral.
Para Geovana Ferraz Canoilas, terapeuta integrativa, a pandemia representou um período de transformações profundas nos hábitos de saúde e autocuidado da população brasileira. Segundo ela, esse fenômeno pode estar ligado a um desejo crescente por autoconhecimento, aspecto em que as terapias integrativas, ao oferecerem uma visão holística do ser, emergem como instrumentos valiosos. Ela também discorreu sobre o perfil dos indivíduos que procuram por terapias integrativas em sua prática, observando diferenças entre os atendimentos comunitários e particulares que realiza, destacando o papel das PICs no atendimento às demandas e necessidades específicas de cada grupo.
Dançarina profissional e Educadora Física, Geovana atualmente reside na Índia. A profissional trabalha com a aplicação de terapias integrativas há 6 anos, tendo como especialidade a Apometria, uma técnica que une a junção de diversas outras práticas terapêuticas para a sua realização, abordando aspectos mais espirituais que refletem no corpo fisico.
No vídeo, ela aborda alguns aspectos dentro de sua experiência com atendimentos em centros espíritas de forma comunitária e sobre quais tipos de pessoas buscam mais por esse tipo de atendimento de forma individualizada.
A pandemia trouxe consigo uma série de transformações, não apenas no que diz respeito aos cuidados com a saúde, mas também nas diferentes formas de interação. Durante esse período, as abordagens holísticas ganharam destaque como métodos de autocuidado. Graças à possibilidade de serem praticadas online, as terapias integrativas viram sua popularidade crescer significativamente.
Com o relaxamento das medidas de quarentena, muitos fizeram a transição do virtual para o presencial nos serviços de terapias integrativas, consolidando-se como praticantes assíduos. Essas terapias passaram a ser reconhecidas não apenas como ferramentas de autocuidado, mas também como meios de promover o bem-estar e a qualidade de vida de maneira ampla.
"Esse momento ajudou as pessoas a perceberem que nós (terapeutas) também conseguimos captar as coisas e fazer a diferença pra alguém, mesmo que seja somente pelo celular"
A terapeuta considera que a pandemia foi um processo difícil para todos, mas que também foi um momento de descobertas para muitas pessoas. Ela afirma que quando as regras de quarentena se flexibilizaram, ela estava realizando atendimentos com maior frequência do que no período anterior ao Covid-19.
Geovana em 2021, realizando atendimento com a terapia Tabuleiro de Chanoc, uma espécie de jogo que tem por objetivo trazer resoluções para a vida do consulente. Foto: Geovana Canoilas.
Geovana enfatiza que a essência do trabalho com terapias integrativas está na prevenção de doenças por meio do fortalecimento da autonomia e do controle sobre o próprio corpo. Ela compartilha uma vivência pessoal que ilustra sua fala: aos 15 anos, enfrentou o diagnóstico de ovário policístico, uma condição frequente entre adolescentes. A solução convencional oferecida foi o uso contínuo de anticoncepcionais hormonais, sob a justificativa de que a condição era incurável, apenas gerenciável medicamentosamente. Insatisfeita com essa perspectiva, Geovana voltou-se para o aprofundamento em práticas espirituais e energéticas. Surpreendentemente, exames subsequentes mostraram a resolução do quadro de ovário policístico. A partir de suas experiências, Geovana defende que as terapias integrativas vão além do tratamento físico, promovendo uma jornada de autoconhecimento e empoderamento sobre as decisões relativas à saúde do próprio corpo.
Também é mencionado por Geovana a respeito de que atualmente, já são desenvolvidos muitos estudos que comprovam que as terapias complementares surtem efeitos positivos na vida da população. Como exemplo, os mapas de evidências disponibilizados pela Rede MCTI das Américas e pela Organização Mundial da Saúde, reúnem dados coletados de diferentes estados a respeito de inúmeras terapias integrativas e de seus efeitos observados no cotidiano dos pacientes. Esta é uma ferramenta que sistematiza as evidências científicas disponíveis sobre o uso das Pics em tratamentos hospitalares de várias naturezas.
O OUTRO LADO DA MOEDA
As principais controvérsias a respeito das terapias integrativas na visão de especialistas.
Desde a sua idealização, as Pics são um motivo de discordância dentro da comunidade médica. Apesar de serem uma decisão oficial e estarem inseridas em um contexto dentro da área da saúde, a maioria das práticas não são tão bem recebidas assim. Este cenário de controvérsia está ancorado em diversos fatores que vão desde a falta de evidências científicas robustas que suportem a eficácia dessas práticas até preocupações relativas à segurança e à qualidade do cuidado oferecido aos pacientes.
A Medicina Baseada em Evidências (MBE) é um conceito científico central dentro da prática da medicina tradicional. Consiste em um procedimento que se divide em quatro partes essenciais para determinar e consolidar determinadas práticas médicas como eficazes ou não.
Essa abordagem envolve a formulação de perguntas clínicas precisas, a busca eficiente por literatura científica relevante, a avaliação crítica da qualidade das evidências encontradas e a aplicação dessas evidências na prática clínica.
A MBE utiliza metodologias rigorosas para avaliar e sintetizar os resultados de pesquisas, com o objetivo de identificar as intervenções mais eficazes e seguras, além de também levar em consideração análises sistemáticas e a aplicabilidade de tratamento em cada caso de pacientes específicos para proporcionar um tratamento clínico mais personalizado e eficiente.
O Conselho Fedreal de Medicina (CFM) já manifestou-se por diversas vezes em notas á população a respeito de como as Pics não são procedimentos que passaram por estudos clínicos rigorosos para sua execução, e comprovação da sua efetividade, além de não possuirem nenhum tipo de regulamentação e não seguirem regras de padrões de cuidado. Em 2018, quando foram incorporadas mais dez novas práticas integrativas no SUS, o CFM manifestou-se quase que de imediato reiterando sua posição contrária a essa implementação. Assim como a Associação Médica Brasileira (AMB), que também já divulgou um pronunciamento sobre como as Práticas Integrativas Complementares carecem de comprovação científica para estarem implementadas dentro do SUS, considerando a decisão de 2018 ultrajante para a comunidade médica e científica. A comunidade médica também leva em questão a segurança. Enquanto a medicina convencional possui protocolos estritos de segurança e eficácia, muitas Pics não são submetidas ao mesmo nível de escrutínio, podendo levar a práticas que, na melhor das hipóteses, são ineficazes ou, na pior, prejudiciais.
Nathalia Pasternak e Carlos Orsi são pesquisadores e coordenadores do Instituto Questão de Ciência, uma associação sem fins lucrativos que tem por objetivo a defesa do uso de evidências científicas como critério para embasar políticas públicas. O Instituto trabalha com jornalismo científico, eduçação e advocacy – que é a prática de influenciar a tomada de decisões e a destinação de verbas por legisladores e outras autoridades. No ano de 2019, Carlos e Nathalia publicaram um artigo no Jornal da USP afirmando que o Brasil estava disperdiçando recursos com as Pics. O artigo discute a eficácia das Práticas Integrativas e Complementares com destaque para a homeopatia, em sistemas de saúde pública ao redor do mundo. Aponta para uma tendência crescente de rejeição ou questionamento dessas práticas em países como Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos, devido à falta de evidências científicas que as sustentem. O texto argumenta que os gastos públicos com Pics epresentam uma violação do princípio constitucional da eficácia do gasto público, visto que não há evidências consistentes de sua eficácia superior a um placebo. Além disso, critica a falta de transparência e objetividade no tratamento dessas práticas nos sistemas de saúde, exemplificando com a dificuldade de obtenção de dados sobre os gastos municipais com Pics no Brasil.
Uma das discussões recorrentes a respeito do uso das práticas integrativas é a de que elas servem como uma estratégia de cuidado para questões de saúde mental, como por exemplo, para diminuir a ansiedade. Entretanto, estes métodos também são passíveis de questionamentos por muitos profissionais especialistas em saúde mental.
Isabela Zago é psicóloga e neuropsicóloga, atendendo na cidade de São José do Rio Preto. Enquanto profissional que trabalha no campo da saúde mental, Isabela aponta que pessoas que buscam por tratamentos com terapeutas integrativos possuem tendências a não realizarem tratamentos de psicoterapia.
Muito se fala que terapias integrativas são um método efetivo para cuidar de questões como ansiedade, estresse, traumas físicos e emocionais, mas para Isabela, a realidade funciona de uma forma diferente.
MELHOR EVIDÊNCIA
DISPONÍVEL
JULGAMENTO
CLÍNICO
RECURSOS
DISPONÍVEIS
PREFERÊNCIAS
DO PACIENTE
Fonte: EBM Academy. Créditos: Autora
SAÚDE MENTAL
Foto: Adalberto Assunção.
"Por ética, psicólogos não podem indicar terapias integrativas para nenhum paciente"
A profissional considera que as terapias integrativas estão ligadas ao modo de vida do paciente, caso ele queira fazer o uso de alguma terapia no seu dia a dia como estratégia de bem-estar, não há motivo para proibir desde que não faça mal a ele, mas dentro da psicologia as terapias não podem ser utlizadas em um atendimento.
Isabela fala sobre como é importante que cada profissional reconheça seu campo de atuação. Por lei, psicólogos só podem atuar dentro das vertentes e das categorias que o Conselho Federal de Psicologia permite, portanto, sugerir a um paciente que ele pratique alguma terapia integrativa durante uma sessão de psicoterapia, entraria na mesma categoria de convidar o paciente a fazer uma oração. Isabela defende que para se sentir bem, todo paciente tem sua liberdade de escolher, seja indo à igreja, templos, mesquitas, ou neste caso, praticando terapias inegrativas. Para a profissional, a psicologia não caminha junto com métodos que envolvam crenças particulares de um paciente, pois são processos separados e que ocorrem de formas distintas.
Entre as terapias integrativas que bebem da fonte do misticismo, a constelação familiar se destaca, atraindo tanto admiração quanto críticas, especialmente da comunidade médica. Concebida pelo terapeuta alemão Bert Hellinger, essa prática inovadora busca desvendar e solucionar intricados conflitos familiares, empregando técnicas que remetem ao psicodrama, uma forma de terapia através da ação dramática. Em essência, a constelação familiar é um palco onde dramas familiares são reencenados, com o intuito de revelar, compreender e, eventualmente, curar feridas emocionais profundas.
As sessões podem ser configuradas de maneira individual ou coletiva, onde os participantes assumem papéis de membros da família do indivíduo em questão, ou mesmo de elementos abstratos que representem sentimentos ou situações. Esses representantes, ou "peças", são estrategicamente posicionados no espaço terapêutico, recriando a dinâmica familiar e desencadeando um processo reflexivo e catártico. Nesse cenário, o indivíduo tem a oportunidade de observar e interagir com as representações de suas relações familiares, promovendo insights profundos e facilitando um caminho para o perdão ou a resolução de traumas antigos. Além da atuação humana, o método pode incorporar o uso de bonecos para simbolizar as pessoas e as relações, ampliando o alcance e a flexibilidade da terapia. Essa abordagem permite uma representação tangível das dinâmicas familiares, possibilitando ao indivíduo uma compreensão mais profunda de seus conflitos internos e externos.
Em 2023, sob a liderança do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, foi estabelecida uma comissão com o objetivo de investigar e debater alegações de práticas abusivas associadas às sessões de constelação familiar. Essa metodologia terapêutica, que visa explorar as dinâmicas e padrões familiares para resolver questões psicológicas e emocionais, teria sido o cenário para tais abusos. Segundo relatos, indivíduos submetidos a esse método teriam sido levados a confrontar situações de abuso sem prévia consciência ou preparo, sendo posteriormente incentivados a "perdoar" ou a "aceitar" seus abusadores como parte do processo de dessensibilização e superação do trauma. A comissão criada por Almeida busca não apenas averiguar essas denúncias, mas também estabelecer diretrizes claras para a prática segura da constelação familiar, garantindo que os participantes sejam devidamente informados sobre a natureza das sessões e possíveis gatilhos emocionais. Além disso, a iniciativa visa promover um espaço de diálogo e reflexão sobre a ética na aplicação de terapias alternativas, assegurando que os direitos e a integridade dos indivíduos sejam preservados.
Para Isabela, práticas como a constelação familiar, assim como qualquer outra terapia integrativa, quando são conduzidas de forma errada e por profissionais sem preparo podem acessar coisas que o paciente não está pronto para trabalhar, ou mesmo no caso de serem abordadas como no exemplo citado, onde existe a culpabilização da vítima, que é onde são acessados traumas e gatilhos que posteriormente precisarão ser trabalhados em terapia.
Ela enfatiza que a psicoterapia é um caminho complexo e longo, que requer tempo para que o indivíduo possa se compreender e gerir suas questões internas. Esse fato pode motivar a busca por alternativas terapêuticas, que, apesar da escolha pessoal, nem sempre atendem às reais necessidades de tratamento do paciente.
A psicóloga também aponta para a problemática de profissionais em terapias integrativas que oferecem soluções rápidas para condições complexas como a depressão, sem a devida formação ou compreensão dos processos envolvidos. Isabela destaca a importância de distinguir a terapia integrativa como um método complementar e não substitutivo ao tratamento convencional, citando um caso de uma conhecida que se encontrou em dificuldades após buscar ajuda com um "terapeuta" sem credenciais apropriadas. Este episódio reforça a necessidade de um olhar cuidadoso e especializado para tratar questões de saúde mental, evitando intervenções que possam agravar o estado do paciente.
DEPOIMENTO
Daniele Tiemi, de 31 anos, é professora em uma escola de educação infantil. Ela relata que em seu trabalho na escola, fez uma especialização em constelação familiar para ser utilizada em situações escolares, e por isso desejou realizar uma sessão por conta própria. Em seu caso, ela conta que sua experiência foi positiva tanto pela profissional que conduziu o trabalho como pelas resoluções que ela teve após o final da sessão.
"Me esclareceu em um momento complicado"
DEPOIMENTO
Mayara Oliveira, de 26 anos, conta que tem contato com diversas terapias integrativas, mas em sua única experiência com constelação familiar sistêmica, onde foi convidada por uma amiga, não teve resultados positivos.
"Me senti muito desconfortável, percebi diversas manipulações"
"Por que uma prática como essa chega com facilidade até o SUS,
mas um psicólogo não?"
Isabela fala sobre como a psicologia é desvalorizada, e que em muitas ocasiões, é vista como o último recurso, normalmente quando o paciente não encontra outros recurtos "substitutivos".
Dentro da psicologia, existe um método chamado de Psicoterapia EMDR, do inglês Eye Movement Desensitization and Reprocessing, que significa dessensibilização e reprocessamento através do movimento ocular. Este método terapêutico se baseia na ideia de que pensamentos, sentimentos e comportamentos negativos são resultados de memórias que não são processadas adequadamente, como emoções negativas que são geradas por traumas. Roberta Christine Sirotto é psicóloga e especialista neste método de avaliação há mais de 10 anos.
Ela destaca que essa é uma técnica extensa, que não há muita conversa com o paciente, mas que ela permite que os seus se manifestem quando acharem necessário, até mesmo para compartilharem sobre o que estão sentindo naquele momento. Os movimentos bilaterais do EMDR podem ser executados de forma manual ou através de um aparelho tátil que serve para simular os manuais. Roberta diz que os pacientes que passam por este procedimento são sempre orientados a não praticarem os movimentos por conta própria, pois pode prejudicar o próprio tratamento. Este tratamento, de acordo com a psicóloga, requer uma atenção ainda mais especial no aspecto de humanização, uma vez que o paciente precisa estar disposto a realizar os protocolos necessários, e que no meio destes protocolos, onde estão sendo "instaladas" as emoções positivas, o paciente pode se sentir agitado ou inquieto, e nisso é onde o olhar do profissional entra para saber conduzir o paciente para um "espaço mental mais tranquilo e reservado."
Quando se trata do assunto terapias complementares e psicoterapia, Roberta crê que tudo vai depender de qual terapia o paciente está praticando e da responsabilidade do profissional que está aplicando aquela terapia.
Foto: Roberta Sirotto
"O EMDR trabalha especificalmente com traumas"
Roberta explica de forma simples e com exemplos a respeito de como o método funciona, que envolve as canmadas do inconsciente do ser humano, por isso se liga diretamente a eventos do passado que podem ter sido "armazenados" pela mente.
"As vezes buscam terapias alternativas como 'salvadoras da pátria', e não funciona desse jeito!"
Roberta afirma que qualquer processo terapêutico precisa ser uma via de mão dupla entre paciente e terapeuta, tanto nos casos de terapia convencional, como no trabalho de terapeutas integrativos.
Roberta salienta a importância de uma comunicação clara e abrangente com pacientes que escolhem exclusivamente as terapias integrativas para seus tratamentos. Ela enfatiza a necessidade de detalhar todos os aspectos e processos envolvidos na terapia, alertando para o fato de que os resultados podem variar em comparação com abordagens convencionais. Além disso, Roberta observa que a interrupção de tratamentos psicoterapêuticos muitas vezes ocorre devido à dificuldade de alguns pacientes em realizar autocríticas; ou seja, não possuem a habilidade de autoanálise necessária para reconhecer que mudanças comportamentais são essenciais para obter resultados positivos. Diante dessa barreira, ela sugere a participação em práticas grupais como estratégia para facilitar a auto-observação e a percepção das próprias atitudes, promovendo um ambiente de aprendizado coletivo e suporte mútuo.
ABANDONO DE TRATAMENTOS E AUTOMEDICAÇÃO
Outra pauta que é abordada em torno dos tratamentos com terapias integrativas é a evasão de tratamentos convencionais em busca de tratamentos alternativos. Esse fenômeno está relacionado principalmente com medicamentos homeopáticos, popularmente conhecidos como "chás milagrosos" que são vendidos junto diversas promessas, seja a de perca de peso, de cura de dores crônicas, melhora da diabetes, entre inúmeras outras.
Em 2022, a cantora Paulinha Abelha do grupo Calcinha Preta veio a falecer aos seus 44 anos. Ela foi vítima de uma infecção renal causada pelo uso indiscriminado de medicamentos fitoterápicos e diuréticos para emagrecimento. Paulinha é apenas uma das muitas pessoas que realiza ou já realizou o uso de algum medicamento que promete ser "natural" para auxiliar no emagrecimento, mas que acaba revertendo em efeitos muito graves.
Tratamentos realizados sem prescrição médica são uma realidade entre pessoas de todo o mundo. A automedicação é uma prática comum entre a maioria das pessoas que pelo menos uma vez na vida, já fez uso de algum medicamento sem necessáriamente ir até um hospital. Uma revisão divulgada pelo European Journal of Pharmacology, revelou que 51% das pessoas com diabetes já fizeram o uso de algum tratamento alternativo. O estudo revelou que 77% dos entrevistados utilizaram os métodos como um complemento ao tratamento farmacológico, enquanto 23% usaram como substitutos. De acordo com essa revisão, foi possível observar que algumas das terapias complementares podem sim ter efeitos positivos sobre a diminuição de glicose no sangue, mas também é preciso ficar atento as reações adversas que também foram observadas durante a pesquisa. O uso de medicamentos homeopáticos, ervas, chás, fitoterápicos, podem alterar a eficácia dos remédios indicados para diabéticos. Em última análise, essa revisão ressalta a complexidade do manejo do diabetes e a necessidade de uma abordagem holística que integre cuidados médicos convencionais com práticas complementares, quando apropriado e baseado em evidências.
Recentemente uma prática que tem se tornado popular é a soroterapia, também chamada de "soro da beleza", que consiste na aplicação intravenosa de solução fisiológica com uma série de outros medicamentos que teriam o potencial de melhorar o crescimento dos cabelos, melhorar problemas no estômago, fortalecer o sistema imunológico, entre outros benefícios. Essa ténica já foi utilizada por muitas celebridades, sendo divulgada como uma prática muito positiva. Entretanto, precisa ser observada com mais cautela, pois pode causar sérias complicações, como um choque anafilático ou infecções geradas pelo manuseio errado de agulhas e acessos. A médica Camila Fogassa escreveu um artigo para o Instituto Vencer o Câncer falando sobre os riscos da soroterapia para pacientes oncológicos. Camila pontua que é compreensível que os pacientes busquem por soluções menos invasivas, mas não existem estudos clínicos rigororos que fortaleçam a eficácia de métodos como a soroterapia, que tem grandes chances de prejudicar o tratamento de um paciente pelo fato de que as substâncias utilizadas nesse tratamento podem não ser regulamentadas corretamente, trazendo consequências graves para os rins e fígado.
A soroterapia, assim como outras práticas que não possuem evidências científicas suficientes para serem praticadas podem, eventualmente, atrasar diagnósticos e colocar em risco a vida de um paciente. Entre os métodos que existem para combater essa situação, está a comunicação direta entre profissionais e pacientes, como é pontuado por Mariana De Marchi:
Mariana enfatiza sobre a necessidade de responsabilizar os terapeutas integrativos, para que esses profissionais deixem explícito para pessoas que os procuram que o tratamento holístico é uma estratégia complementar.
Também destaca sobre a postura que os profissionais da saúde precisam ter com relação a esses pacientes, reforçando que o tratamento medicamentoso não pode ser abandonado ou ignorado.
Ela também destaca sobre o fato de que todo profissional da saúde deve respeitar as escolhas do paciente, mas é preciso deixar claro que aquelas escolhas podem trazer riscos graves a ele. Caso ainda assim não muda de opinião, é necessário que esse paciente assine um termo de responsabilidade que o coloque ciente de suas ações, como no caso de não querer tomar um medicamento. Reitera que as duas coisas podem ocorrer de forma paralela, pois as terapias integrativas podem servir como uma estratégia para promover mais autocuidado, socialização, autoestima e humanização, mas não podem ser enxergadas como métodos autossuficientes, pois muitas das práticas são baseadas em crenças, sem estudos robustos e comprovações suficientes que sustentem o seu uso sem ser como um método complementar.
Na perspectiva da terapeuta integrativa Luciane Borges, ela deixa claro que qualquer profissional ou terapeuta integrativo que desenvolva um trabalho sério precisa estabelecer determinados limites com seus pacientes. Ela acrescenta que as terapias integrativas vieram para somar e que em nenhuma circunstância deve substituir a medicina tradicional e sim "ir um pouco mais além" do que a medicina tradicional propõe aos pacientes pela questão de cuidado humanizado que seria a principal questão que as terapias integrativas trazem para o cotidiano em conceitos de saúde.
Luciane afirma que é necessário a todo terapeuta integrativo a consciência de que lidar com pacientes é um processo que exige cuidado e paciência, que é delicado lidar com certas situações e pacientes, principalmente aqueles que desejam abandonar tratamentos convencionais para seguir com alternativos.
Ela diz que se por acaso um paciente com doenças crônicas ou graves buscar por seus tratamentos e optar por seguir somente com ela, este seria um caso de um paciente que ela não admitiria, pois não há condições em que um terapeuta integrativo consiga proporcionar um tratamento semelhante a uma quimioterapia, por exemplo.
Luciane se usa como exemplo ao afirmar que, mesmo que use terapias integrativas para cuidar de si mesma, jamais deixa de ir ao médico e realizar exames e se necessário, tomar medicações alopáticas. No caso do Reiki, ela diz que aplica em seus remédios intencionando que eles potencializem os efeitos curativos e minimizem os efeitos colaterais.
Matheus Aparecido, de 29 anos, é técnico em informática, e por conta do seu trabalho, desenvolveu uma condição chamada de Lesão por Esforço Repetitivo (LER), que como o próprio nome já sugere, é causada pelo desempenho de alguma atividade contínua como tocar piano, digitar, dirigir, etc. Matheus relata que em seu processo de descoberta e tratamento da LER, a acupuntura foi uma das técnicas que mais o ajudou com as fortes dores decorrentes de sua condição.
Relatos como o de Matheus Aparecido iluminam o potencial das terapias alternativas, como a acupuntura, no alívio de sintomas e até mesmo na cura de doenças tradicionalmente tratadas apenas com medicamentos e procedimentos convencionais. Contudo, apesar dos casos de sucesso e da crescente aceitação dessas práticas tanto por profissionais da saúde quanto pela população em geral, é imprescindível a realização de mais estudos e pesquisas científicas robustas para estabelecer de forma inequívoca a eficácia, os benefícios e os possíveis riscos associados às terapias integrativas.
A integração das medicinas convencional e alternativa abre um novo horizonte no cuidado à saúde, promovendo uma abordagem mais holística e personalizada do tratamento. No entanto, a consolidação dessas práticas requer uma base sólida de evidências científicas que corroborem a segurança e eficácia dessas terapias quando utilizadas isoladamente ou em conjunto com a medicina convencional. Até o momento, alguns estudos apontam para resultados promissores, mas ainda são necessários esforços conjuntos de profissionais da saúde, pesquisadores e instituições de ensino para ampliar o escopo dessas pesquisas. Assim, será possível não apenas compreender melhor os mecanismos pelos quais as terapias integrativas atuam no organismo, mas também estabelecer diretrizes claras para sua aplicação prática, garantindo assim a segurança e o bem-estar dos pacientes.
DEPOIMENTO
Matheus conta que foi em busca de acupuntura por indicação de um médico ortopedista, e que apesar de ter ficado receoso no princípio, hoje, através de sessões regulares, se sente muito melhor.
"Me ajudou a recuperar a sensibilidade nas articulações"
Juliana Marquezi
Essa reportagem foi elaborada para o Trabalho de Conclusão de Curso da UNINTER.